A Natureza do Objeto Matemático
Em uma das conversas que tive com Cláudia Segadas, minha orientadora de doutorado, discutimos a natureza do objeto matemático. Depois da conversa, decidi escrever sobre minhas posições sobre esse assunto. O texto se propõe a apresentar reflexões sobre como é possível construir um objeto matemático no processo de ensino-aprendizagem.
Qual a natureza do objeto matemático?
Ledo Vaccaro Machado
(Texto de criação livre, sem compromisso de fundamentação teórica)
Nenhum objeto matemático tem materialidade. Ninguém jamais viu um dois, ou uma reta, ou um quadrado. A reta é infinitamente fina e se estende em duas direções indefinidamente. Nada no universo físico tem tal comportamento e, se algo tivesse esse comportamento, não poderia ser visto: nós só observamos objetos com três dimensões (na verdade com quatro - a quarta dimensão é o tempo, os objetos são fatos que acontecem no tempo). Ninguém viu um quadrado, um polígono formado por quatro segmentos de reta. O que se vê são objetos que lembram quadrados, ou representações de quadrados. E não se deve confundir a dualidade com o dois: dois abacaxis, dois olhos, dois irmãos são entidades que se relacionam com o dois, são instâncias, lugares pelos quais o dois perpassa. O dois é uma entidade abstrata que emana de todas as dualidades. O dois, o quadrado e a reta só existem como objetos do conhecimento e, por assim o serem, só se permitem acessar através de suas representações. Repare que 2, II, dois dedos levantados, o dois em um dado ou em um dominó são símbolos que representam o número dois (a palavra "dois", tanto falada como escrita, também é um desses símbolos), não são o número dois; são representações que nos permitem acessar o objeto matemático dois.
Pensemos em uma função. De quantas formas podemos representar (acessar) uma função: diagrama de setas, tabela de x contra y, gráfico, expressão analítica, máquinas de transformação de números. Em cada momento em que estamos abordando funções no processo de ensino-aprendizagem, escolhemos uma das representações para trabalhar: talvez, em um primeiro contato, escolhamos diagrama de setas e tabelas; trabalhando com conjuntos contínuos, gráficos e expressões analíticas; funções compostas, máquinas de transformações. Cada representação de um objeto lança luz sobre um aspecto desse objeto. Para levar um aluno a construir um objeto matemático, devemos usar a maior quantidade possível de representações desse objeto e fazer, diversas vezes, a conversão de uma representação para outra. As conversões fazem com que se identifique que são representações de um mesmo objeto. As diversas representações possibilitam uma espécie de voo panorâmico em torno do objeto, destacando as diversas características, propriedades, possibilidades de operações, relações e aspectos dele. O objeto emana dessas observações (assim como o dois emana das dualidades), e o aluno constrói, toma posse do objeto.
Se representações distintas destacam aspectos distintos de um mesmo objeto matemático, privar alguém de uma determinada representação é obscurecer um aspecto desse objeto, é não permitir a totalização da construção - um cego é privado de algumas representações. Mas quem possui um objeto totalmente construído? Quem nunca estudou a continuidade de uma função tem a totalidade do objeto construído? E quem não sabe derivar e integrar uma função?
Cabe, ainda, mais uma reflexão: as representações são reflexões de um acúmulo de práticas sociais (no mínimo, o ato de ensinar, aprender e transmitir um conhecimento), e práticas sociais possuem historicidade, estão atreladas ao tempo e ao espaço. Dessa forma, os objetos matemáticos - que só podem ser acessados através de suas representações, que se constroem nas práticas sociais, que possuem historicidade - possuem historicidade.
A natureza do objeto matemático define-se no tempo e no espaço.