Analfabetismo Numérico


Uma experiência profissional que tive fora do magistério foi gerenciar um bar no Lins, bairro do subúrbio do Rio de Janeiro. Para formar a equipe de trabalho, entrevistávamos as pessoas que se candidatavam e anotávamos os dados fornecidos em uma folha de papel. Assim foi feito com um rapaz que se candidatou a cozinheiro e acabou sendo selecionado.

O bar funcionava de terça a domingo, e o pagamento dos funcionários era feito semanalmente, aos domingos, antes de irmos para nosso dia de descanso. Fiz o pagamento da primeira semana de trabalho e na terça-feira, antes do início das atividades, começamos a conversar sobre o que cada um havia feito com o primeiro dinheiro recebido. O cozinheiro declarou:

- Eu comprei um frango.

- Ah! Você fez um almoço com os amigos?

- Não, comprei um frango.

Ele havia gasto todo o dinheiro de uma semana de trabalho comprando um frango. Aquilo causou estranheza a todos.

Quando fui conferir os documentos que ele havia trazido para fazer o registro trabalhista, verifiquei que ele era mais velho do que havia declarado (ele tinha 28 anos e havia declarado ter 25). Com frequência, ele chegava atrasado ao trabalho. A porção de bolinhos, que deveria ter doze unidades, às vezes vinha com mais e outras com menos. Esses acontecimentos levaram-me a conversar cautelosamente com o rapaz e acabei descobrindo que ele não reconhecia números. Pegava ônibus pela cor e, por isso, chegava atrasado. Não conseguia contar os bolinhos e se atrapalhava com a própria idade. Apesar dessas dificuldades, ele era um bom cozinheiro.

Passei a fazer o pagamento por dia, separando o dinheiro da passagem, do lanche e do que mais ele me dissesse que precisaria. Amarrávamos as porções de bolinhos e do que fosse necessário em sacos plásticos para deixar definidas as quantidades que deveriam ser servidas em cada porção. Assim, o rapaz continuou trabalhando na cozinha até o fechamento do bar.

Conheci muitas pessoas que não sabiam ler e escrever e reconhecia as dificuldades dessas pessoas em sobreviver em uma cidade grande, mas, até conhecer esse rapaz, não concebia a possibilidade de alguém viver em uma cidade sem reconhecer números. Mesmo depois de conhecê-lo, continua sendo muito difícil imaginar as dificuldades por que ele passava.

Gostaria de saber onde e como ele está hoje.