Leres e Saberes

27/01/2021

Um Mergulho Cultural Através da Matemática e do Português


Para a divulgação dos cursos de graduação da Fundação Getúlio Vargas, foi criado um curso para alunos que estivessem terminando o Ensino Médio e que tivessem interesse em cursar o terceiro grau na FGV. Esse curso foi chamado de Aulas de Sábado e, como o nome indica, tinha vez aos sábados pela manhã. Recebi um telefonema da secretária do Prof. Elon Lages Lima convocando-me para ir à FGV falar com ele. Corri para lá e, ao chegar, o Mestre perguntou: "Você quer ministrar aulas na FGV". O que você acha que eu respondi? Passei a ser um dos professores das Aulas de Sábado.

No curso eram ministradas duas disciplinas: Língua Portuguesa e Matemática. A Profª. Alice e o Prof. Leonardo Teixeira eram os responsáveis pela parte de Língua Portuguesa. Eu, o Prof. Wagner e o Prof. Morgado ministrávamos a parte de Matemática. Eu ia todos os sábados e os professores Wagner e Morgado iam sábados alternados, ou seja, em um sábado eu ficava em uma sala e o Wagner na outra, trabalhando Geometria, e, no sábado seguinte, dividíamos eu e Morgado, com aulas de Análise Combinatória. Tremi nas bases quando soube que iria dividir aulas de Geometria com o Wagner e de Análise Combinatória com o Morgado, eles são professores consagrados como referências nessas disciplinas, mas aceitar desafios sempre foi uma característica minha.

Meus temores diluíram-se logo na primeira semana de aula. Os dois Mestres enviavam-me orientações do que seria trabalhado e quais os problemas que seriam abordados. O Mestre Morgado enviava-me o script da aula: como poderia ser abordado cada tema, os exemplos que poderiam ser usados e as diversas abordagens para cada problema. Aprendi muito mais nas Aulas de Sábado do que os cursistas.

Com o passar do tempo, o perfil dos alunos, e das aulas, no curso Aulas de Sábado foi mudando. A interferência da ONG Educafro levou à formação de uma turma com alunos originários de comunidades do Rio de Janeiro, alunos que participavam de pré-vestibulares comunitários. Os professores Wagner e Morgado afastaram-se do curso e o Prof. Leonardo Teixeira apresentou à FGV o projeto Leres e Saberes, que foi aprovado e substituiu as Aulas de Sábado.

O projeto do Prof. Leonardo Teixeira propunha um mergulho cultural através do Português e da Matemática. O público alvo eram jovens oriundos de comunidades que passavam o dia de sábado na FGV. O curso começava às 8 horas da manhã e se estendia até às 18 horas, com uma única turma. Eu ministrava o curso de 8 horas ao meio dia, e o Leonardo de 14 às 18 horas. De meio dia às 14 horas era o almoço, oferecido a todos os cursistas, gratuitamente, pela FGV. O conteúdo era abordado com foco em arte, em lógica e na construção social do conhecimento. Íamos a teatro, museus, palestras e exposições, tudo com os auspícios da FGV. A riqueza do projeto do Prof. Leonardo era imensa, e a mudança na percepção de mundo dos alunos também.

Na maior atividade externa que tivemos, fomos à Bienal de Artes de São Paulo, ao Museu da Língua Portuguesa e a Pinacoteca de São Paulo. O desdobramento dessa atividade foi espetacular. A discussão sobre o conceito de arte e de cultura correu solta tanto durante a viagem quantos nas semanas que se seguiram: Só é arte o que está em museus e em coleções? O grupo social ao qual vocês pertencem produz arte? Podemos existir sem arte? Qual a função social da arte?

Em sala de aula, eu apresentava filmes para suscitar discussões sobre ciência e cultura, como "Guerra do Fogo", "Os Deuses Devem estar Ficando Loucos", "Contato" e "Ponto de Mutação". O Prof. Leonardo trabalhava com uma quantidade maior do que a minha de filmes devido à natureza de sua disciplina. Se não fosse o projeto, dificilmente os alunos teriam acesso a esses filmes e mais difícil ainda seria participar de discussões sobre eles. Houve um comentário de um dos alunos após a apresentação do filme "Contato": Por que, fora daqui, nós não temos acesso a esses tipos de filme? Lembrei-me da fala do Prof. Antônio Jorge, meu professor de História da 8ª série: "Até que ponto é interessante educar um povo?"

O Prof. Leonardo saiu da FVG. Entendi que o projeto Leres e Saberes saía junto com ele. Mandei uma caixa de bombons ao Dr. Carlos Ivan Simonsen, Presidente da Fundação Getúlio Vargas, agradecendo a oportunidade de ter trabalhado na instituição. Ele mandou me chamar e disse: "Quero o projeto para este ano em cima da minha mesa dentro de um mês". Entrei na FGV para ministrar um ano de curso com os professores Wagner e Morgado. Acabei como coordenador do projeto Leres e Saberes, ficando lá por 14 anos.



Quando o Dr. Carlos Ivan Simonsen me disse que queria um projeto sobre a sua mesa, deu-me um presente maravilhoso: liberdade para criar o projeto. Na ocasião perguntei-lhe o que ele queria do projeto, e ele me disse: "Que você ensine Matemática". Agradeço publicamente por esta resposta.

Chamei a Profª Marlene de Araujo, professora de Literatura e Língua Portuguesa e que é especialista em cultura afro-brasileira, para compor a equipe, e Sônia Gonçalves Santos apoiava secretariando o projeto, o que ela já vinha fazendo desde as Aulas de Sábado. O texto que segue abaixo se fundamenta no projeto que foi apresentado ao Dr. Carlos Ivan.


Leres e Saberes

O objetivo declarado do projeto Leres e Saberes era a entrada do cursista em cursos superiores e a sua permanência neles. A abordagem do projeto que focava a entrada nos cursos superiores era feita através do aprofundamento dos conhecimentos que os cursistas traziam das escolas e dos cursos preparatórios (muitos deles eram recrutados em pré-vestibulares comunitários), com o uso de listas de exercícios e textos. Quanto a segunda frente, a permanência do ingresso nas universidades, visto que os cursistas eram de origem humilde, a abordagem se dava por uma imersão cultural. A comunidade universitária possui padrão cultural específico, envolvimento com a cultura formal, exigência de leitura e expressão através de diversas modalidades de linguagem, uma estrutura cultural que é, na maioria das vezes, desconhecida pelos jovens de comunidades carentes, e isso se constituía numa barreira à sua interação e bom desempenho no âmbito do curso universitário. Daí a imersão cultural, tendo a Matemática e o Português como propiciadores. Leres e Saberes visava minimizar as deficiências do currículo oculto e instrumentalizar o aluno através do aumento do capital cultural.

Ter a Língua Portuguesa e a Matemática como as disciplinas que servem de meio gerador do mergulho cultural fundamenta-se no fato das duas disciplinas serem a base de construção de todos os demais saberes, e uma não poder ser reduzida a outra. Ensina Nilson José Machado que

"(...) no desempenho de suas funções básicas, a Língua Materna não pode ser caracterizada apenas como um código, enquanto que a Matemática não pode restringir-se a uma linguagem formal: a aprendizagem de cada uma das disciplinas deve ser considerada como a elaboração de um instrumental para um mapeamento da realidade, como a construção de um sistema de representação. A Matemática e a Língua Materna, diferentemente dos variados ramos do conhecimento que as utilizam, constituem condição de possibilidade de conhecimento em qualquer ramo, sendo responsáveis inclusive pela produção dos próprios instrumentos que irão utilizar; nessa condição é que devem ser ensinadas."

(MACHADO, Nilson José, Matemática e língua materna: análise de uma impregnação mútua. 5 ed. São Paulo, Cortez, 2001, p.127)

Matemática

O trabalho de Matemática desenvolvia-se fundamentado em três linhas: O Tronco dos Números, Penso, Logo . . . e Modelando o Mundo.

O Tronco dos Números tem por objetivo a apresentação da construção histórica dos números entremeada com a ontogênese do conceito de número. Definindo significado e significante, distinguimos numeral e número e apresentamos diversos registros de quantidades feitas por diversas culturas, desde registros rupestres, registros feitos em jogos infantis até registros de sistemas numéricos complexos. Apresentamos o significado do processo de contagem e a criação de sistemas de numeração, comparando diversos sistemas e discutindo a relação entre as necessidades sociais de cada cultura e a complexidade dos registros numéricos por ela desenvolvidos. Abordando a base dois, apresentamos seu uso na tecnologia.

Discutindo a necessidade social da construção de outros tipos de números que não fossem os naturais, paulatinamente vamos apresentando o conjunto dos inteiros, dos racionais e dos reais. Metodologicamente, além de exposições, apresentação de textos e documentos, lançamos mão de materiais concretos e jogos estruturados que descrevem a construção numérica, como o ábaco. A construção axiomática dos conjuntos é apresentada como consequência da evolução social da Matemática, como uma busca da consistência da disciplina. Entretanto, a construção axiomática não é aprofundada por não ser este o nosso objetivo. Optamos por uma construção ingênua dos conjuntos numéricos.

Penso, Logo ... tem por objetivo a descrição do método matemático, o método axiomático dedutivo. Reportando-nos à Grécia Clássica, discutimos a ruptura da explicação mítica do mundo com a criação da Filosofia. Apresentamos a base do pensamento pré-socrático, a busca do Ser, a contraposição do pensamento de Heráclito e Parmênides, os paradoxos de Zenão e nos concentramos no Mito da Caverna e no Mito da Reminiscência de Platão para que possamos fundamentar a criação de Os Elementos, de Euclides. Apresentando a Biblioteca de Alexandria como um centro de excelência da antiguidade, inclusive discutindo a recuperação de alguns de seus pergaminhos como um dos elementos propiciadores da construção da nova subjetividade gerada no Renascimento, chegamos a Euclides e sua obra. Comparando os objetos da geometria e o método de Os Elementos com os Mitos de Platão, inserimos a obra em seu contexto social. Discutimos a necessidade da admissão de elementos primitivos e axiomas (postulados, no livro de Euclides) para que não ocorra uma redução ad-eternum das definições e das proposições. Discutimos até que ponto a geometria euclidiana modela nosso espaço e a possibilidade de outras geometrias pela negação do quinto postulado. Metodologicamente, além de exposições e apresentação de textos e documentos, trabalhamos com filmes como o episódio número um da série de filmes Cosmos de Carl Sagan, no qual aparece a biblioteca de Alexandria e a medição da circunferência da Terra feita por Eratóstenes. Em seguida, entramos no estudo da Lógica Matemática. Apresentamos o princípio da não contradição e o princípio do terceiro excluído e discutimos a simplicidade destes princípios e até que ponto eles podem modelar o mundo. Trabalhamos com valor lógico de proposições declarativas, conectivos, tabela-verdade e quantificadores. Tal trabalho é desenvolvido não só de forma tradicional, usando proposições genéricas p e q, como através da análise de textos literários, como José, de Carlos Drummond, à luz da lógica matemática.

Modelando o Mundo tem por objetivo apresentar de que forma a Matemática pode ser usada na resolução de problemas. Descrevemos quatro métodos de modelagem como exemplo: uso da regra de três, modelagem pela função afim, modelagem pela função quadrática e pela função exponencial. Além desses métodos, discutimos os cuidados que devemos ter na leitura de enunciados matemáticos, a observação de um elemento que se mantém constante num problema, a passagem da linguagem corrente para a simbologia matemática e a tentativa e erro (rascunho) na solução de problemas. Discutimos a presença da Matemática na arte, apresentando filmes sobre a Matemática nas artes plásticas e a Matemática na música. Apresentamos, também, o clássico Pato Donald no País da Matemática, a partir do qual discutimos a Matemática nos jogos e o número de ouro como construtor de um padrão de beleza. Lemos e discutimos alguns problemas do livro O Homem que Calculava, de Malba Tahan.

Durante todo o curso, resolvemos listas de exercícios com tópicos relacionados aos temas discutidos e, em alguns sábados, dedicamo-nos, exclusivamente, à resolução de questões de vestibulares, sobretudo próximo às provas de vestibular.

Fechamos o curso apresentando o filme Ponto de Mutação e discutindo a questão da Ética no uso da ciência.

Em termos de conteúdo, são abordados:

  • Conjuntos numéricos
  • Lógica Proposicional (Conectivos e Quantificadores)
  • Noções de Conjunto
  • Combinatória
  • Probabilidade
  • Funções
  • Razão e Proporções
  • Regra de Três
  • Semelhança e Congruência de Triângulos
  • Relações métricas no Triângulo Retângulo
  • Teorema de Pitágoras
  • Áreas de Figuras Planas
  • Volume de Sólidos Geométricos
  • Progressões
  • Noções de Matemática Financeira
  • Lugar Geométrico no Sistema Cartesiano


Português

No que se refere à Língua Portuguesa e Literatura em Língua Portuguesa, Leres e Saberes tinha por objetivo

1. Ampliar o significado de LER e de LEITURA no mundo contemporâneo.

2. Ajudar os alunos a descobrir o universo da leitura literária e de outras artes como espaço de reflexão, lúdico e prazeroso.

3. Propor o contato com um importante repertório artístico e cultural criado pelo Homem ao longo de sua trajetória.

4. Promover a capacidade de argumentação oral e escrita

5. Desenvolver a habilidade de observação, análise, síntese e crítica por meio da incorporação de diversas formas de linguagem, privilegiando o uso da língua materna.

6. Formar um público leitor jovem e crítico.

Justificativa

O que é ler hoje em dia? Essa é uma pergunta de difícil resposta no mundo moderno. Compreender o significado de ler implica identificar relações complexas que abarcam os processos de produção dos textos que são lidos, as formas de acesso para que cheguem até o leitor, os modos de ler socialmente aceitos em cada época, as condições de apropriação dos textos escritos pelos leitores.

Muito rapidamente vivemos hoje transformações quanto às condições de produção de livros até a chegada, definitiva, em nossas vidas, do computador, que daria suporte a outros modos de ler e, consequentemente, de compreender a leitura. Hoje, no cenário de estudos sobre a leitura, cresce a preocupação com a multimodalidade, ou seja, os espaços multimodais, em que os sentidos são construídos a partir de recursos como gestos, olhares, posturas e a disposição dos objetos visuais. Considerando os gêneros textuais e discursivos que circulam nos meios eletrônicos, por exemplo, dificilmente encontraremos textos apenas escritos: cores, sons, imagens, também em movimento , ganham cada vez mais sentidos e se interligam , alargando ou especificando sentidos.

Devemos partir do princípio de que uma obra literária é um objeto social muito específico. Segundo Marisa Lajolo, em Literatura: leitores & leituras (LAJOLO, Marisa, Literatura: leitores e leitura. São Paulo; ed. Moderna, 2001. p. 17), para que a literatura exista, além do autor e do leitor, a obra deverá passar por uma espécie de corredor econômico (editor, distribuidor, livreiro) para que se cumpra sua natureza social e para que se dê a interação estética, isto é, o encontro entre leitor/autor.

Para que um texto, portanto, seja considerado literatura é preciso ainda que ele seja proclamado como tal pelos canais competentes, isto é, instituições, eventos, publicações, titulações que vão afiançar o valor ou a natureza artística e literária da obra. Esses setores especializados são os intelectuais, os professores, a crítica, os merchandisings de editoras de prestígio, os júris de concursos literários, os organizadores de programas escolares e de leituras para vestibular ou até mesmo a lista de obras mais vendidas publicadas em jornais. A escola, no entanto é a instituição que há mais tempo vem exercendo o papel de consagrar ou desqualificar obras e autores.

Para ter acesso a esses bens culturais é preciso comprar ingresso - livros, cursos, escolas não são oferta grátis. É preciso, de alguma forma, a apropriação dessa herança cultural da tradição pelos grupos socialmente periféricos, visto que os que podem comprar livros são os mesmos que dispõem de recursos econômicos para adquirir e renovar seus PCs.

Discutir as condições atuais de produção de leitura, numa interseção entre o livro literário e as diversas mídias torna-se fundamental para quem quer chegar perto dos sentidos da leitura para jovens. Só assim se pode pensar em condições propícias de formação de leitores, numa perspectiva inclusiva e democrática.

Metodologia

Para atingir tais objetivos, propusemos cinco eixos temáticos a serem considerados na Literatura e em outras artes, em linguagem literária e não literária, verbal e não verbal:

  • O amor e a mulher;
  • O nacionalismo;
  • A natureza;
  • O cotidiano;
  • A metalinguagem.

Esses temas confrontavam artistas de mesma época e de épocas diferentes.

Com O amor e a mulher, observamos a universalidade do tema, as diferentes formas de expressão da subjetividade, a evolução da visão do feminino, os preconceitos contra a mulher e a sua transformação em objeto de consumo.

Em O nacionalismo, refletimos sobre

  • a construção da identidade brasileira (interfaces da cultura europeia, indígena e negra),
  • os conceitos de nativismo e nacionalismo,
  • a visão que os diversos grupos sociais têm da pátria,
  • as questões políticas e sociais da arte engajada.

Em A natureza, o estudo servia para observar o homem em contato com a natureza e suas implicações, a percepção do espaço físico, a função da natureza na vida humana, a visão ecológica da modernidade.

Já em O cotidiano, era possível tratar a Arte como representação da realidade e, através dela, traçar um perfil social e suas implicações para cada época estudada.

A metalinguagem refletia o desejo do homem de compreender o processo criativo e através desse tema podíamos entender a mudança do conceito de Arte através das condições temporais e históricas.

Para cada um desses temas eram propostas produções de texto, priorizando-se o texto dissertativo argumentativo.

Estratégias

  • Leitura de textos literários de diversas épocas e de diversos espaços geográficos e sociais;
  • Leitura de textos não literários: notícias e jornais, artes plásticas, filmes e blogs;
  • Produção de textos diversificados atendendo ao tema estudado e à tipologia textual (textos descritivos, narrativos e, sobretudo, dissertativos);
  • Sistematização de conteúdos gramaticais necessários a partir da produção textual do aluno, priorizando-se os elementos relevantes de coesão e coerência, pontuação, ortografia e acentuação;
  • Estudo e aplicação de estratégias argumentativas em textos orais e escritos, através de rodas de debate;
  • Visita a museus (Belas Artes, Mar), a exposições e outras atividades culturais oferecidas no calendário cultural da cidade;
  • Roda de leitura de textos literários de diversos gêneros.

O material escolhido para o trabalho, tais como seleção de textos, filmes e artes plástica se deu após a diagnose do grupo, para que fosse, inicialmente, adequado à experiência leitora desses alunos.


Os alunos participantes do Leres e Saberes não somente preparavam-se para as provas dos vestibulares. Eles sofriam uma imersão cultural, um banho de informação e cultura que seria impossível, se não fosse a oportunidade apresentada pelo curso. A Matemática e o Português deixavam de serem apresentadas como tradicionalmente se faz. Tornavam-se mediatizadoras do mundo cultural.



Mais uma vez sobre a influência da ONG Educafro, Dr. Carlos Ivan Simonsen pediu um novo projeto. Desta vez uma estrutura de Ensino a Distância. Minha experiência com EAD era muito pequena. Havia feito um curso semipresencial pela PUC-RIO, no qual não se usava plataformas na internet, uma vez por semestre recebíamos o material impresso e orientação de estudos; usei a plataforma moodle em um curso que fiz na UFRJ; e elaborei questões para um projeto de ensino a distância da FGV. Aceitei o desafio, mas minha ideia era criar uma base de discussão para que pessoas mais experientes dessem forma final ao projeto e o implementasse. Minha ideia era ajudar na criação do projeto e ponto, eu não me entendia como executor nem como gerente. Tanto assim foi que o material que eu apresentei ao Dr. Carlos Ivan para uma reunião com diversas pessoas na presidência da FGV era folhas soltas dentro de um envelope nas quais cada tópico da proposta era seguido de espaços em branco para que os participantes pudessem fazer propostas de alterações do item. Além disso, o material foi identificado com pré-projeto.

Em um projeto que envolve diversas pessoas para sua execução, três grupos se fazem necessários: aqueles que criam o projeto, aqueles que executam o projeto e aqueles que gerem o projeto. Esses grupos não são disjuntos. Uma mesma pessoa pode participar de mais de um desses grupos e, eventualmente, participar dos três, mas a participação em cada um desses grupos envolve habilidades distintas. Cada pessoa que entra em um projeto altera o projeto, ou seja, um projeto pertence ao criador até certa página. A participação de outras pessoas, necessariamente, transforma o projeto em criação coletiva. Gerir um projeto exige a habilidade de permitir (e até mesmo fomentar) as alterações produzidas por cada participante sem que a essência do projeto seja destruída. Eu reconheço que sou muito bom criando e executando projetos, mas deixo muito a desejar quando se trata de gerir um projeto de grande porte. Eu consigo dizer o que cada um deve, ou pode, fazer, mas não consigo cobrar se as orientações feitas foram seguidas. Nesses casos, é bom que alguém com as habilidades necessárias esteja comigo.

A reunião para a apresentação ao Dr. Carlos Ivan aconteceu. Eu expus o pré-projeto e entendi que minha participação havia acabado. Pouca semanas depois, recebi um telefonema da FGV convocando-me para uma reunião sobre o pré-projeto na FGV do Centro do Rio de Janeiro. Na sala de reunião havia uma mesa comprida com diversas pessoas. Assim que eu entrei, todos levantaram. Tomei um susto e perguntei:

- Por que vocês estão levantando?

- Você é o gerente do projeto.

- Eu?! Não, eu não sou o gerente de nada.

- Seu nome está aqui com gerente. Você criou o projeto.

Um erro comum acabara de ser declarado: aquele que cria é a pessoa mais indicada para gerir. A insistência dos presentes à reunião e conversas com alguns amigos me fizeram aceitar a tarefa.

De fato, quem gerenciou o projeto mais do que eu foi um rapaz chamado Valterlei Borges de Araújo. Ele mantinha contato com os tutores, dava sugestões e montava relatórios do que estava acontecendo. Enviava-me periodicamente os relatórios e apresentava os problemas que estavam sendo encontrados, pedindo encaminhamento. Meus encaminhamentos estavam no campo do "acho que" e não estavam fundamentados em reflexões sobre experiências anteriores. Como já disse, minha experiência com EAD era parca, eu não sabia como abordar as demandas específicas dos tutores e as especificidades desse tipo de curso.

O curso foi estruturado com cinco turmas, duas com pessoas indicadas pela Educafro, turmas que se esvaziaram rapidamente; e três com pessoas de diversas origens, que gradativamente também teve o número de participantes reduzido. Apesar dos esforços de todos os tutores, das pessoas envolvidas na execução do projeto e, em especial, do Valterlei, o projeto derrocou no primeiro ano, e eu tive o meu quinhão de responsabilidade nessa derrocada.

Poderia dizer que me foi impingida a gerência do projeto, mas a clareza de meus limites impõe que eu tivesse me oposto com mais veemência à assunção da função. Mea-culpa.



FGV - Leres e Saberes Digital

PRÉ-PROJETO (propostas)

Será utilizado o material presente no sítio FGV Ensino Médio Digital

Total de tópicos: 150

Proposta (um tópico por dia)

30 semanas de 5 dias / 7,5 meses de 4 semanas

Total de horas previstas: 720

Possibilidade 1

180 dias de 4h / 36 semanas de 5 dias / 9 meses de 4 semanas

Possibilidade 2

160 dias de 4,5 horas / 32 semanas de 5 dias / 8 meses de 4 semanas

1. DAS DATAS

1.1. Divulgação em fevereiro.

1.2. Início das aulas em março: março, abril, maio, junho, julho (com recesso de uma ou duas semanas), agosto, setembro e outubro.

1.3. Novembro será dedicado a exercícios: simulados do Ensino Médio Online e resolução de questões de vestibulares anteriores da FGV.

1.4. Final de novembro ou início de dezembro festa de encerramento com entrega de certificados.

2. DA ESTRUTURA DAS AULAS

2.1. Cada grupo de 40 participantes ficará sobre orientação de um tutor.

2.2. Disporemos de cinco grupos, totalizando 200 participantes e cinco tutores.

2.3. O público alvo são jovens carentes que objetivam o ingresso no terceiro grau.

2.4. Poderão participar das atividades os alunos matriculados em escolas públicas que estejam cursando o segundo ou o terceiro ano do Ensino Médio, alunos matriculados em vestibulares comunitários ou pessoas indicadas por outras previamente determinadas.

2.5. O tutor tem por função controlar, incentivar e orientar o participante para que o cronograma estabelecido seja cumprido. Além disso, o tutor é uma ponte entre os participantes e a coordenação do projeto.

2.6. A cada semana, os participantes devem terminar cinco aulas que serão previamente estabelecidas.

2.7. Cada dia será dedicado a uma única disciplina.

2.8. As dúvidas dos participantes referentes a cada aula deverão ser encaminhadas ao tutor, que as encaminhará à coordenação do projeto, que, por sua vez, providenciará as respostas a serem postadas no fórum do sítio.

2.9. Ao final de cada módulo, a declaração de participação deve ser enviada por cada um dos participantes ao tutor.

2.10. Quem, até a semana anterior ao dia de encerramento, não tiver entregue todos as declarações de participação dos módulos não fará jus ao certificado de participação.

2.11. Como até o mês de outubro o cronograma prevê o cumprimento de todos os módulos, o mês de novembro poderá ser usado pelos participantes para findar algum módulo que tenha ficado pendente.

2.12. Cada participante será orientado a iniciar a aula de cada disciplina refazendo os exercícios da aula (da disciplina em questão) imediatamente anterior.

3. DA ESTRUTURA DAS ATIVIDADES COMPLEMENTARES

3.1. Serão selecionados cinco pontos de observação no Rio de Janeiro como, por exemplo, Museu Histórico Nacional; Museu de Arte do Rio; Museu de Belas Artes; Igreja da Candelária; Teatro Municipal; Passo Imperial; Palácio Tiradentes; Museu de Arte Moderna.

3.2. Para cada ponto de observação selecionado será criado um roteiro de observação. O objetivo do roteiro é direcionar o olhar do observador (participante), de maneira que suas observações não se restrinjam ao olhar ingênuo comum àqueles que não estão habituados a participar desse tipo de visitas.

3.3. O roteiro constará de uma série de perguntas que deverão ser respondidas.

3.4. Cada participante deverá visitar, por sua conta e com o roteiro em mãos, pelo menos dois pontos de observação até o mês de outubro.

3.5. As respostas às perguntas do roteiro deverão ser encaminhadas ao tutor.

3.6. Cada participante deverá tirar duas fotos do local visitado, em pelo menos uma delas o participante deve estar presente. As fotos serão encaminhadas no formato JPEG para o tutor.

3.7. Além da foto nos locais de observação, o participante deve encaminhar ao tutor duas fotos de locais, de pessoas ou de fatos que ele julgue significativos na localidade em que mora. Em pelo menos uma dessas fotos o participante deve estar presente.

3.8. No ato de encerramento do curso, haverá uma exposição de fotos selecionadas (os critérios de seleção serão previamente determinados). Cinco das fotos expostas serão escolhidas como "as cinco melhores". Os autores das cinco melhores fotos terão, pago pela FGV, Um Dia de Turista no Rio (visitação do Corcovado, do Pão de Açúcar ou algo semelhante).

3.9. Serão selecionados dez filmes. Para cada filme será criado um roteiro de observação, organizado a partir de perguntas. O roteiro de observação visa direcionar o olhar do participante tanto para o conteúdo do filme, quanto para as características da produção do filme como veículo particular de comunicação e de expressão artística. Sugerem-se os filmes: A Guerra do Fogo; Os Deuses Devem estar Ficando Loucos; Ponto de Mutação; Lanternas Vermelhas; O Pagador de Promessas; Inimigo Meu; Os Treze Dias que Abalaram o Mundo; O Quarto Poder; Corações e Mentes; Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos; Dogville; Microcosmos; O Incrivel Exército de Brancaleone; O Encouraçado Potemkin; Hotel Ruanda; Dr. Fantástico; Desmundo; 2001: Uma Odisseia no Espaço; Gattaca; O Auto da Compadecida; Amor Bruxo; Matemática e Arte.

3.10. Cada Participante deve escolher, pelo menos, cinco filmes para assistir, respondendo as perguntas do roteiro. As respostas devem ser enviadas ao tutor.

3.11. O participante que não apresentar as respostas dos cinco roteiros não fará jus ao certificado de participação e não poderá participar da escolha de "as cinco melhores fotos".

3.12. Toda semana será postado no sítio um pequeno trecho de uma obra literária (uma estrofe de Drummond, de Fernando Pessoa, de João Cabral de Melo Neto, ou um pequeno trecho de Clarice, ou de Jorge Amado), de forma que o participante se depare com ele assim que entrar no ambiente de trabalho. Também poderá ser postada uma curiosidade científica ou uma frase famosa. Além desse trecho escrito, estará semanalmente postado um trecho de uma música de domínio público ("clássico" ou relevante na música popular).

3.13. Tanto no trecho escrito quanto na música haverá um hipertexto informando o autor e a relevância da obra.

3.14. A observação do trecho escrito e da música fica a critério do participante, não demandando nenhuma sanção àquele que não o fizer.

4. DOS RECURSOS HUMANOS NECESSÁRIO

4.1. Um coordenador do projeto.

4.2. Um secretário do projeto.

4.3. Quatro tutores.

4.4. Professores, não necessariamente vinculados ao projeto, para responder às perguntas dos participantes.

4.5. Elaboradores dos roteiros de observações, tanto dos pontos de observação quanto dos filmes.

4.6. A pessoa que selecionará o trecho escrito e a música (assim como produzirá o hipertexto) que será postada no sítio.

4.7. Técnico para postar o texto escrito, a música e o hipertexto no sítio.

4.8. Pessoas que poderão indicar cursistas.