Transpondo Limites

17/02/2021

Produzindo  um Livro Didático Que Não Foi


O Prof. Fernando da Silva Simas (Fernandão), quem me convidou para iniciar minha vida como professor, disse-me que um professor tinha que preparar aulas em dois momentos de sua carreira: quando estivesse iniciando o magistério e quando estivesse terminando o magistério. Não sejamos tão radicais, mas, por certo, preparamos as aulas no início da carreira. O colégio Delta, no qual iniciei, trabalhava com apostilas. Para montar as minhas apostilas eu recorria a livros didáticos. Preparávamos as aulas e entrávamos em sala. Muitas coisas davam certo e algumas davam errado.

As perguntas dos alunos, os erros e os acertos iam burilando as aulas até que chegávamos a um padrão de aula, um padrão de abordagem de cada tópico da disciplina, e isso leva anos. Chegávamos a nossa aula de progressões, a nossa aula de funções lineares, a de relações métricas no triângulo retângulo. Isso não quer dizer que as aulas sejam imutáveis. Sempre disse que, quando eu entro em sala, eu sei o que pretendo fazer, mas o que vai acontecer em sala depende de diversos fatores, desde a disposição dos alunos até as notícias que estão sendo veiculadas na mídia. A aula é um acontecimento, mas o padrão de aula de cada professor carrega a sua assinatura.

Há um outro perfil de professor, aquele que usa criteriosamente um livro didático. Adota um livro, segue as propostas de abordagem feitas e passa exercícios do livro. De qualquer forma, montando o próprio material ou seguindo o livro, tudo parte do livro didático. É ele o maior responsável pela performance no palco da sala de aula. Ele pode não ser o único criador de scripts, mas sempre se faz presente, de uma forma ou de outra. Portanto, todo cuidado com a produção de livros didáticos é fundamental.

Por volta de 1990, recebi o convite de uma editora para produzir uma coleção de livros didáticos de 5ª a 8ª séries. Na primeira reunião com o diretor da seção de educação da editora ele me recomendou: quero o livro mais completo possível. Comecei meu trabalho selecionando várias coleções de livros didáticos de diversas gerações. Livros da década de 1950, da década de 1960, com a matemática moderna, da década de 1970, os livros consumíveis, nos quais se escrevia neles, e da década de 1980. Estudei como esses livros se organizavam e tracei um projeto para a coleção. Antes de escrever cada capítulo, eu estudava como as diversas coleções apresentavam o assunto e decidia como tal assunto seria abordado.

Já estava com uma boa parte do material produzido quando a direção da editora mudou. O novo diretor deu-me nova orientação. De fato, durante o tempo que trabalhei sobre o livro a direção mudou duas vezes, e cada direção me dava uma orientação diferente. Trabalhei na produção do material durante três anos. Foram todas as férias e recessos dedicados a esse trabalho. Escrevi em manuscrito, na época eu não tinha computador, 1200 páginas. Estudei muito; li diversas formas de abordas os assuntos e, talvez, esse tenha sido um dos problemas com o livro.

Sempre adorei estudar e, em especial, ver como evoluiu a abordagem dos temas matemáticos nos livros didáticos era muito atraente. Em boa parte, eu acabava me preocupando mais em sintetizar o que tinha estudado do que orientar as ações de quem fosse usar o livro. Acresça-se a isso as mudanças de orientações por parte da direção e o resultado foi que o material produzido acabou sendo uma belíssima síntese de meus estudos, mas como livro didático deixou muito a desejar.

A editora fechou as portas. Por sorte, o livro não foi publicado. Se fosse publicado, teria sido um fracasso de público e de crítica, inclusive minhas.