UALA

17/03/2021

O Encontro com o Brasil Através do Nordeste


Fui trabalhar no colégio Renovação, em Nova Iguaçu. Nessa escola desenvolvia-se um projeto chamado Semana da Cultura. Todos os anos a escola abria um final de semana para apresentar à comunidade o resultado de pesquisas feitas pelos alunos sobre um tema que fora definido no início do ano letivo, no período de planejamento do ano escolar.

A Semana da Cultura era quase uma escola paralela a que se desenvolvia tradicionalmente. Envolvia a escola inteira, e a nota do terceiro bimestre era composta, com grande peso, por aquela que os alunos obtinham com o desenvolvimento do projeto. Um tema era escolhido pelos professores na reunião de planejamento do início do ano e um professor assumia a função de orientador da pesquisa em cada sala. Havia um tempo de aula por semana no qual esse professor tratava exclusivamente do desenvolvimento da pesquisa.

Normalmente cada sala era dividida em grupos de trabalhos que assumiam subtemas na pesquisa. Cada grupo teria que desenvolver uma "monografia" (um trabalho adequado à faixa etária de cada turma) que seria defendida diante de uma banca de professores durante o ano. A nota dada à qualidade da monografia e a apresentação compunham a nota da Semana da Cultura. Após a defesa da "monografia", os alunos, junto com o orientador da turma, montavam apresentações que eram chamadas de vitrines, com cartazes, maquetes, vídeos e o que mais fosse pertinente, e preparavam uma sala para fazer a apresentação à comunidade em um final de semana destinado às apresentações. Uma equipe de professores passava pelas salas das apresentações avaliando-as através de critérios previamente estabelecidos. Essas avaliações participavam da nota da Semana da Cultura.

Cheguei ao Renovação com essa cultura institucional já constituída, e sem ela o projeto UALA não poderia ser tido o sucesso que teve. Projetos que envolvem toda uma instituição, que exigem o comprometimento de muitos, dificilmente são implantados apenas com boas ideias e organização. Exigem um entendimento da proposta, um sentimento de fazer parte do projeto e um reconhecimento da importância do que está sendo feito que, em geral, só se fazem possíveis com a afirmação de uma cultura organizacional. Portanto, projetos de grande porte exigem uma preparação que podem levar anos.

Engajei-me no projeto Semana da Cultura assim que entrei na escola. Ele tinha muito a ver com o que eu defendo em termos de educação: autonomia dos alunos e ensino através de pesquisa. Participei ativamente e, como todo mundo novo que assume um projeto, interferi na sua dinâmica com algumas sugestões e coordenei a pesquisa de algumas turmas.

Já estava na escola há alguns anos quando uma ONG, Projeto Oceanus, entrou em contato com a direção do Renovação convidando um professor da escola para avaliar o trabalho deles em Alagoas. A ONG tinha um projeto de turismo educacional e queria que vinte professores, dez do Rio de Janeiro e dez de São Paulo, avaliassem o projeto. Briguei para ser o escolhido pela escola e fui.

De início, não acreditei que a viagem ao Alagoas ocorreria, mas, uma semana antes do dia marcado para viagem, recebi um telefonema dos organizadores do Projeto Oceanus dizendo que minha passagem estava à disposição no aeroporto Tom Jobim. Corri, arrumei tudo e zarpei para passar uma semana em Alagoas.

A viagem foi fantástica. Mais fantástica ainda porque os organizadores não deixaram eu pagar nem os refrigerantes que eu tomava. O roteiro envolvia sítios históricos, gastronomia, arquitetura, artesanato, biodiversidade e pontos turísticos. Após cada dia de intensa atividade, os professores recebiam uma ficha de avaliação que deveria ser preenchida com críticas, elogios e sugestões. Voltei da viagem cansado e impressionado com a proposta.

No último dia de viagem, houve um jantar de despedida. Sentei-me ao lado de Daniel Lima Costa, presidente do Projeto Oceanus, e elogiei o projeto, mas disse-lhe que havia uma falha nele: o projeto não preparava previamente o aluno para a viagem e não desdobrava a viagem em ações que deveriam ser levadas à escola. Daniel retrucou: "Ótimas observações! E você está encarregado de viabilizar essa preparação e o desdobramento". Combinamos que, se eu fizesse o trabalho, receberia como pagamento quatro viagens iguais a que eu fiz, para mim, minha mulher e meus dois filhos.

Creio que Daniel não acreditou muito que eu fosse desenvolver a proposta, porque mostrou-se surpreso quando, na semana seguinte a do feriado do Dia dos Professores, enviei por e-mail a proposta de preparação dos alunos e desdobramento da viagem. No dia seguinte ao e-mail, recebi um telefonema do Daniel:

- Ledo, gostei muito! Você é o mais novo colaborador do projeto e sua proposta já está no site.

Durante a viagem, havia um grito de saudação dado em uníssono pelos professores que participavam com avaliadores e organizadores do Projeto Oceanus: UALA! Esse grito deu nome ao projeto que entreguei à direção do colégio Renovação como proposta para uma Semana da Cultura.

Inicialmente, devido ao tamanho e complexidade do projeto, a ideia era usá-lo dentro de dois anos, mas o diretor da escola, no dia seguinte, disse que não esperaria dois anos, que essa seria a proposta da Semana da Cultura para o ano seguinte. Com isso, a movimentação começou: entramos em contato com o Projeto Oceanus e os professores começaram a ter ciência do que vinha pela frente.

É claro que após reuniões com os professores e com os pais dos alunos, o projeto sofreu alterações, mas, em essência, foi executado como originalmente foi criado.

A viagem de uma semana ao Alagoas não era barata e, obviamente, nem todos os pais puderam arcar com as despesas, mas um número bastante expressivo de alunos a realizaram. Os alunos que não fizeram a viagem não tiveram aulas, no sentido tradicional da palavra aula, durante a semana da viagem. Eles participaram de atividades ligadas ao projeto UALA, com palestras, filmes e debates sobre o tema. Além disso, eles mantiveram contatos permanentes com aqueles que estavam viajando.

Em todos os locais visitados na viagem do UALA, havia um especialista que orientava os alunos. Particularmente, três momentos deixaram-me emocionado: a aula ministrada sobre o cangaço na Grota de Angico, local onde Lampião foi morto; a aula ministrada sobre o Quilombo de Palmares, no alto da Serra da Barriga, onde foi Palmares; e a visita ao museu arqueológico de Xingó. Nesse museu, a doutora responsável pelo acervo, Drª Cleonice, disse-nos que tudo o que estava exposto era fantasia, era trabalho de artistas plásticos contratados. Esse artifício era feito por segurança das peças originais, que se encontravam em salas ambientadas da reserva técnica do museu. Ela autorizou que, em números bem pequenos, entrássemos nas salas da reserva técnica e observássemos as peças originais.

Outro ponto emocionante foi a visita ao lago da usina de Xingó. Estávamos em um catamarã com uma piscina interna e música. A farra era geral quando entramos no cânion do São Francisco e deparamo-nos com muralhas imensas em vários tons de vermelho. O barqueiro colocou para tocar a Oração de São Francisco de Assis e todos pararam para observar as muralhas. Instaurou-se um silêncio preenchido pela música, como se todos rezassem diante da natureza.

Em termos de beleza, poucas vezes na vida vi algum lugar que possa ser comparado com a reserva de Piaçabuçu: mata, dunas, lagoas, restinga e mar, todos eles namorando. Outra grande farra foi o banho nas lagoas formadas na foz do Velho Chico.

Duvido muito que esse projeto possa ser esquecido por aqueles que dele participaram, tanto os que viajaram quanto aqueles que acompanharam a viagem na escola, mas muito mais do que fotos, filmes e lembranças, tenho certeza que todos que participaram não saíram do projeto da mesma forma que estavam como entraram.

UALA: nossa terra; nossa gente!



A montagem das vitrines interativas da Semana da Cultura possuía um ritmo alucinante. Um dia antes das apresentações, que ocorria em um sábado, os professores, alunos e funcionários chegavam cedo munidos dos projetos das vitrines, dos materiais para montagem e das ferramentas necessárias. Toda a escola se envolvia na preparação e nos ensaios finais das apresentações. Era martelo, prego, madeira, papel, cola, tesoura, tinta, roteiro, suor e cansaço. Os alunos ficavam tensos e excitados, se preparando para "fazer bonito" no dia seguinte.

Tive oportunidade de filmar a montagem das vitrines do projeto UALA, mas, no dia da apresentação, não pude filmar as vitrines montadas. Eu era um dos professores avaliadores dos trabalhos e tive que passar por todas as vitrines observando as apresentações e fazendo anotações. Assim sendo, a filmadora ficou desligada.

A filmagem foi feita com uma máquina caseira, e para a edição conectei dois vídeos cassetes e uma aparelhagem de som. Anos mais tarde, converti a filmagem de analógica para digital. Nessas condições precárias, a qualidade técnica do registro ficou muito ruim, mas suficiente para se perceber o engajamento gerado pela montagem das vitrines.