Náufrago


Os professores de Matemática têm a fama de escreverem mal. Talvez essa fama não seja infundada. Primeiro porque o ato de escrever não é simples: demanda o domínio de um código rígido e cheio de regras; a seleção de um assunto que justifique a escrita; a construção de argumentos que sustentem as posições de quem escreve; e a escolha de um estilo que esteja vinculado ao objetivo do texto e àqueles a quem o texto se destina. Essas dificuldades, não exclusivas do professor de Matemática, demandam treinamento e contínuos exercícios de escrita.

Aqui aparece o ponto peculiar ao professor de Matemática. Nós passamos todo o período da faculdade lendo e escrevendo poucos textos em linguagem corrente. A leitura do texto de Matemática (fórmulas, gráficos, matrizes etc.) é distinta da leitura do texto corrido. A leitura em Matemática não busca a ideia central do parágrafo, não se pode passar por uma palavra cujo significado não conhecemos e procurar seu significado no contexto do texto. Temos que entender cada linha de uma demonstração. Acresça-se a isso mais uma distinção que há entre o texto corrido e o texto matemático. Em língua portuguesa, o texto é unidirecional, lemos da esquerda para a direita. Em matemática, o texto é bidirecional, lemos da esquerda para direita e de cima para baixo. Considerando as imagens, a coisa complica mais ainda, porque quem lê tem que escolher um caminho na imagem para percorrer com o olhar. A falta de treinamento na leitura e escrita de textos corridos pode justificar a fama dos professores de Matemática de maus produtores de textos corridos.

O Colégio Renovação, em Nova Iguaçu, organizou um concurso de contos aberto à comunidade. Poderiam participar todos os interessados: alunos, professores, pais de alunos e quem mais se interessasse. A inscrição era feita com pseudônimo, ninguém sabia quem eram os autores dos textos, somente a pessoa responsável pela organização do concurso. Participei do concurso com um texto chamado Náufrago. No dia da divulgação, o auditório da escola estava cheio. Quando o vencedor do concurso foi anunciado, houve um espanto, era um professor de Matemática.